sábado, 8 de setembro de 2012

Algumas reflexões sobre a história da Educação Infantil no Brasil

O atendimento em creches modificou-se muito ao longo dos anos por estar associado às concepções do papel da mulher na sociedade e às mudanças sociais e econômicas, como a expansão da indústria e o processo de urbanização cada vez maior.
Até o início do século XX as crianças que frequentavam creches eram oriundas de famílias pobres, geralmente filhos de mães solteiras que não podiam oferecer os cuidados necessários em casa durante parte do dia porque precisavam trabalhar para prover o sustento da família – papel este entendido neste período como dever do pai – o que gerava um sentimento de culpa nessas mulheres fazendo com que a creche fosse vista por elas (mulheres), pelas entidades mantenedoras da creche e pela sociedade em geral como um favor prestado a essas mulheres.
Com a industrialização no país, e a chegada de muitos imigrantes para o trabalho nas fábricas e a entrada no mercado de trabalho de mulheres não apenas solteiras, mas também casadas, os trabalhadores, que começavam a se organizar em sindicatos, começaram a reivindicar entre outros direitos, o direito a creche para seus filhos durante a jornada de trabalho que muitas vezes excedia às 12 horas diárias. Ainda assim as creches continuavam a ter um cunho assistencial, remediando uma situação entendida como não ideal, na visão dos trabalhadores tanto como dos patrões para quem o cuidado dos filhos era papel da mulher e que estas não o estavam desempenhando por necessidade econômica.
O atendimento de cunho assistencial era reforçado por médicos sanitaristas que viam na creche a saída para as questões de saúde dessas crianças. Desta forma, o atendimento as crianças era voltado para a guarda, para a satisfação das necessidades básicas de sono, alimentação, higiene e segurança física.
Com um novo aumento da participação feminina no mercado de trabalho nas décadas de 30 e 40 do século passado e a preocupação com o aumento da marginalidade de crianças das classes populares a discussão sobre a necessidade de creches como agências promotoras de bem-estar foi retomada, perdurando durante décadas.
Em meados da década de 60 surge a teoria da “privação cultural”, segundo a qual as crianças das classes populares necessitavam de maiores estimulações cognitivas para serem preparadas para a alfabetização, considerando que a carência do ambiente familiar e social em que estavam inseridas às deixavam cognitivamente aquém das crianças de ouras classes sociais, se propondo a compensar as carências culturais, deficiências lingüísticas e defasagens afetivas. Assim o atendimento em creches visava superar as condições sociais precárias das crianças através de uma educação compensatória. Inexistia uma preocupação com o desenvolvimento infantil, a sociabilidade, a criatividade e a construção de conhecimentos. O papel da creche era suprir deficiências e carências das crianças das classes populares e prepará-las para o ingresso no ensino primário.Com os movimentos feministas, populares e de luta por creches nos grandes centros urbanos nas décadas de 60 e 70 houve um aumento de creches mantidas pelo poder público. No Rio de Janeiro é criada em 1979 a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social que torna institucional


“(...) o atendimento às crianças que era feito na informalidade em creches e escolas comunitárias e por crecheiras, foi marcado pelas recomendações de organismos internacionais que propunham a expansão do serviço a baixo custo, o que significa dizer, com a utilização da mão-de-obra comunitária para a execução do trabalho. A participação da comunidade era restrita, impedindo –a de atuar nos direcionamentos políticos do serviço”.(SOUSA, 2006:153).


Com a Constituição Federal de 1988, a creche passa a ser reconhecida como instituição educativa, um direito da criança, uma opção das famílias e um dever do Estado. Inicia-se um processo de repensar a função da creche enquanto espaço educativo voltado para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social da criança. 
Um novo avanço é alcançado com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394 de 20/12/1996 que inclui a educação infantil como primeira etapa da educação básica que tem por “finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade (art. 29)”.
A Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança (ECA) de 1990, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96 são indicativos dos avanços nas discussões sobre a função da educação infantil. No entanto,


“Essa mudança não se faz por simples determinação legal; é um processo gradativo e exige reestruturações que vão das regulamentações dos Conselhos Municipais de Educação (CME), reorganização das SMEs e alocação de recursos físicos (instalações, equipamentos, materiais) e financeiros à qualificação, formação, ao plano de carreira, ao vínculo empregatício, entre outros, dos profissionais que trabalham na educação infantil. A integração implica, numa primeira instância, em reconhecer as instituições que atendem crianças de 0 a 6 anos para levantar as condições em que o atendimento é feito, criar critérios mínimos para seu funcionamento e credenciamento, rever convênios, contratos, captar recursos e buscar formas de ampliar e homogeneizar, é respeitar as diferenças saudáveis e necessárias e diminuir as que têm segregado a infância desde os primeiros meses de vida (NUNES, CORSINO, KRAMER, 2005:21). 


Em 2001 com a publicação do Decreto 20.525, a Secretaria Municipal de Educação (SME):

      
"(...) entrou na trajetória histórica das creches no município do Rio de janeiro que antes estavam sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS). As creches administradas estavam sob uma ótica da política de assistência, ao passo que, vinculadas a SME, postulariam o caráter de políticas públicas básicas”. (SOUSA, 2006:153). 


Essa mudança no enfoque do atendimento em creches e de sua função se dá concomitantemente aos processos sociais e econômicos e às diferentes concepções de desenvolvimento infantil que podem ser divididas em três grupos teóricos: inatista, ambientalista e interacionista.

Concepções de Desenvolvimento Infantil

A concepção inatista considera que o desenvolvimento humano é um processo biológico e as características do indivíduo, não somente físicas, mas psicológicas seriam passadas hereditariamente, não sofrendo influência do meio em que o indivíduo está inserido.
Na concepção ambientalista o desenvolvimento não é influenciado por características biológicas, somente os mais simples reflexos humanos são inatos. A criança nasce sem características psicológicas determinadas. O desenvolvimento infantil é determinado basicamente pelas experiências e pelo ambiente, assim, todos os importantes atributos comportamentais são adquiridos. O sujeito tem um papel passivo no processo de conhecimento e desenvolvimento e a partir das condições que o ambiente oferece que a criança se desenvolve. “O bebê é uma folha de papel em branco (tabula rasa)”.
As teorias ambientalistas nortearam os programas de estimulação precoce e de educação compensatória voltados para as classes populares nas décadas de 60 e 70 e influenciaram de forma efetiva o trabalho realizado em creches neste período.
A concepção interacionista, que tem como seus principais teóricos Jean Piaget, Henry Wallon e Lev S. Vigotsky, considera que o desenvolvimento é biológico e social. 


“As características biológicas preparam a criança para agir sobre o social e modificá-lo, mas esta ação termina por influenciar na construção das próprias características biológicas da criança. (OLIVEIRA, 2005: 29)”.


O indivíduo nasce com características biológicas próprias, mas estas não são determinantes de suas capacidades. A interação com o meio social em que está inserida e suas vivências interagem com o biológico. E a ação do indivíduo no ambiente também o modifica. Há uma relação recíproca: o indivíduo é influenciado pelo meio e o meio também é influenciado pelo indivíduo.

Samantha Ferraz Lobo

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